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sexta-feira, 10 de abril de 2015

Análise de preços de livros: novidades importantes e um erro persistente, por Felipe Lindoso

O Sindicato Nacional de Editores de Livros (Snel) e a Nielsen Bookscan apresentaram seu primeiro Painel das Vendas de Livros no Brasil. Trata-se de uma iniciativa importante e significativa. O Painel da Nielsen Bookscan tem como principal vantagem a medição direta, na boca do caixa, das vendas feitas pelas empresas que instalaram o programa em seus sistemas. Isso elimina a chamada expansão dos dados, mecanismo estatístico que permite inferir o resultado total a partir de uma amostra significativa.

Nesse sentido, temos dados de venda de livros com um grau de confiabilidade muito superior ao da pesquisa antiga feita agora pela Fipe, a partir de iniciativa que começou lá nos anos 1990. Nessa pesquisa – que até agora era iniciativa conjunta da CBL e do SNEL – as editoras preenchem formulários com as informações pertinentes, que são então processadas. São dados, portanto, provenientes dos produtores (editoras), que declaram suas vendas para o governo (em vários níveis) e para o mercado, seja diretamente para as livrarias ou para os distribuidores. Além das vendas, essa pesquisa produz resultados sobre a produção (títulos e exemplares). As vendas para o Governo Federal são precisas – é o FNDE que informa, detalhadamente, a quantidade de exemplares adquiridos e o valor pago.

A primeira e mais notável diferença, portanto, é a do universo dos informantes. A pesquisa da Nielsen Bookscan informa a quantidade de ISBN comercializados, e não a quantidade total de títulos produzidos naquele período.

Um dado importante a se considerar na pesquisa da Nielsen Bookscan é o universo das empresas que fornecem os dados. É constituído integralmente pelas grandes redes, seja de livrarias, seja de supermercados (que já fornecem informações para a Nielsen relacionadas com outros produtos, como eletrodomésticos, etc., e há muito mais tempo). As livrarias independentes estão totalmente fora desse universo (e também, geralmente, não têm condições econômicas de comprar as informações completas que a Nielsen vende para grandes empresas, editoriais ou não. Mas essa é outra discussão).

Essa característica do levantamento não é sem consequências. Quando a Nielsen menciona que seus dados não são expandidos, quer dizer efetivamente que as informações dadas por seus parceiros não passam por esse processo. Mas é importante notar que o desempenho do conjunto do mercado editorial vai além das grandes redes, notadamente as livrarias independentes e as vendas para entidades públicas fora do governo central. Estados (principalmente São Paulo, mas não exclusivamente), e municípios de vários portes, compram livros, seja para as escolas, seja para bibliotecas. O segmento do porta-a-porta também fica fora da pesquisa, e vem crescendo significativamente nos últimos anos.

A ausência das livrarias independentes e do porta-a-porta pode até não ser muito significativa em termo dos valores totais movimentados (mais uma vez, sem quantificar essa diferença, tudo é chute, suposição). Mas, sobretudo, não engloba o conjunto do fenômeno da bibliodiversidade da nossa produção editorial. As livrarias independentes – até por conta das dificuldades impostas em termos de descontos e prazos pelas editoras – não vendem tantos best-sellers, mas (suponho) vendem muitos títulos em áreas não necessariamente cobertas pelas vendas nas grandes redes. Para citar um segmento importante (e sempre mal-estudado), o dos livros religiosos. O livro do bispo Macedo e dos padres “estrelas” já escaparam dessa categoria, mas isso não significa que sejam insignificantes as vendas – de títulos e exemplares – de uma enorme quantidade de outros autores. Além dos livros religiosos, áreas como educação, psicologia, ciências sociais, quase seguramente estão sub-representadas nas vendas das grandes cadeias.

Uma ferramenta interessante da pesquisa da Nielsen Bookscan é a que permite estabelecer os descontos oferecidos pelos varejistas. A Nielsen sabe o preço de capa “oficial” e coleta os preços efetivamente praticados. Ou seja, os descontos dados pelos varejistas informantes, na média. É um dado importante. No entanto, mais uma vez, não se sabe até que ponto isso representa em termos de médias nacionais, já que a experiência mostra que o desconto nas livrarias independentes é geralmente menor (e não por vontade delas, diga-se, e sim pelas condições impostas pelas editoras e distribuidoras aos pequenos varejistas).

Um dado ausente, e que talvez possa ser recuperado na pesquisa da Nielsen Bookscan, é o do ticket médio, principalmente se for dividido por canais (grandes redes, em geral, e varejo eletrônico). Esse dado permitiria um acompanhamento de quanto os consumidores de livros estão dispostos a pagar em cada compra de livros. Fica a sugestão.

Essa informação é diferente do principal problema da pesquisa da Nielsen Bookscan, assim como o da pesquisa Fipe-CBL/Snel, que é a insistência no mito de que o faturamento reflete “preços médios” de livros.

Isso é um absurdo total, que persiste nessas pesquisas certamente por insistência das entidades, que pretendem “provar” continuadas diminuições do “preço do livro” no Brasil.

Essa brincadeira (para não usar outros adjetivos) pretende insinuar – esse é o verbo – que o “preço médio” dos livros pode ser inferido com a soma do preço de um livro de R$ 50,00, mais um de R$ 100,00, dividido por dois. Multiplique-se a variedade de preços de livros e divida-se pelo número de exemplares vendidos e se acha o tal “preço médio”.

No dia 7 de dezembro de 2011 publiquei um post, no blog O Xis do Problema sobre o assunto.

Essa história, sinceramente, me cansa. Por isso, tomo a liberdade de reproduzir abaixo os trechos principais do meu raciocínio, nada esotérico.

Antes disso, porém, quero deixar clara minha satisfação com a iniciativa do Snel de fazer o convênio com a Nielsen Bookscan. Os dados são significativos e precisos – desde que se leve em conta suas características, e a ênfase na importância dos metadados para a qualidade das informações retoma um tema sobre o qual também venho insistindo muito.

Mas, vamos ao trecho em questão. Lembrem, o post é de dezembro de 2011 e se intitulava “’Preço médio’ dos livros: uma ficção aritmética”.

“Preparei uma tabela hipotética considerando uma lista de best-sellers, o desconto de 50% sobre o preço de capa, um número de exemplares vendidos e o faturamento das editoras por título.

Ficou assim:




Na segunda coluna, depois do “nome do livro”, temos o preço de capa; na terceira, a quantidade de páginas; na quarta, o faturamento bruto da editora por exemplar; na quinta, uma projeção de quantos exemplares se venderam em um ano; e, na sexta, o faturamento bruto total da editora por cada livro.

Ou seja: para um milhão de exemplares vendidos, teríamos um “preço médio” para as editoras, de R$ 18,20. Reitero: preço médio para as editoras porque é disso que trata o cálculo da pesquisa. Os preços reais praticados nas livrarias podem variar muito mais, dependendo dos descontos que cada rede consiga, etc, etc.

Vejam bem, nessa tabela só considero duas variáveis: o número de páginas por livro e o preço de capa. Não considerei o formato nem o tipo de papel usado.

Vamos imaginar que, no ano seguinte, livros com as mesmas características (número de páginas e preço de capa) entrassem na lista de best-sellers. Não os mesmos livros, mas outros, repito, com as mesmas características. Só que em posições diferentes na lista, quer dizer, no n&uac

Ficaria assim:




Vejam bem. São livros com exatamente a mesmas características. Só mudou sua “posição” na nossa lista de best-seller e, por conseguinte, a quantidade de livros vendidos. E só aí teríamos um “preço médio” quase 5% mais baixo.

Pensem agora em quase 50 mil títulos por ano (na verdade a quantidade de títulos disponíveis a cada momento é muito maior), com características diferentes, preços diferentes, descontos para livrarias diferenciados, quantidade vendidas diferentes de cada título e fica evidente apenas uma coisa: “preço médio” baseado na divisão do faturamento por unidades vendidas é apenas e tão somente conversa para boi dormir.

Essa conversa sonolenta continua embalando bois e outros ruminantes.



Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br


Fonte: 
http://www.publishnews.com.br/telas/colunas/detalhes.aspx?id=81354#.VSapNu8gDoo.facebook

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